Capítulo 31 - Leningrado versus Moscou

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Meus receios de ter pesadelos com o acidente da moça na fábrica não se justificaram. No entanto, eu fiquei tão tensa que só no dia seguinte me lembrei que não tinha respondido Pavel sobre se ia assistir sua corrida. Na verdade, ele poderia justificadamente estar preocupado agora, já que eu o tinha deixado falando sozinho, sem nem desligar o telefone.

Bem, paciência. Eu só voltaria ao Complexo Têxtil na semana seguinte, e Pavel não poderia ficar plantado na sala de Ióssif até lá esperando eu retornar a ligação. A propósito, se eu tinha entendido corretamente, a competição dele já aconteceria no próximo dia livre.

Melhor simplesmente aparecer no estádio e pronto.

Chegava a ser estranho poder vê-lo novamente tão cedo, depois de passarmos meio ano nos comunicando por cartas entre o último encontro e o anterior. Não que eu estivesse reclamando, é claro. Talvez dois dias atrás eu ficasse receosa de reencontrá-lo, por causa do tom triste daquela noite sobre a ponte, mas a ligação tinha me reanimado um pouquinho.

Agora restavam alguns problemas a resolver antes do dia da competição. Primeiro eu tinha que obter minha liberdade para comparecer ao evento, o que significava reagendar a parceria com Carmen. As traduções ainda ocupavam a quase totalidade do meu tempo livre. Por sorte, ela não se mostrou curiosa, nem sequer interessada, quando eu disse que precisaria fazer a minha parte do trabalho em outro dia, pois tinha um compromisso. Tenho para mim que ela estava aliviada por também dispor de um dia sem nada para fazer, que pudesse gastar com a família ou quem quer que lhe apetecesse.

Depois eu precisei descobrir onde aconteceriam as competições, e, se fosse o caso, conseguir um ingresso. Uma circunstância inesperada veio me ajudar nessa parte: descobri que Astrakhanov ia competir também, pelo time do Exército, e tinha várias entradas para distribuir para quem quisesse vir apoiá-lo.

– Eu nem sabia que você corria – comentei, guardando o papelzinho que ele, todo bem-humorado, tinha me entregado.

– Não me viu lá, durante as aulas de educação física? – questionou, irônico. – Olha que eu sou um pouco difícil de não ver.

Às vezes ele substituía a Bruntieva.

– Eu quis dizer que não sabia que você corria profissionalmente – expliquei.

– Ninguém corre profissionalmente – ele retorquiu, como se eu tivesse acabado de dizer um absurdo. – Quem contrata alguém para ser apenas atleta? Na maior parte do ano, não teria nem o que fazer. O esporte é muito útil como hobby, mas como profissão... Não sei, me parece que a tendência seria grande de gerar parasitas.

Eu nem soube o que responder a isso. Não tinha explorado a questão com profundidade suficiente, e tampouco estava com vontade de fazê-lo agora. Ainda tinha um último ponto a resolver, sobre minha ida ao estádio Dínamo – porque era lá que as provas teriam lugar – no domingo: se eu levaria alguém junto. Pensei em convidar Lucia e Stas, mas Sveta ficaria chateada se eu chamasse Lucia e não a chamasse também. E se Sveta viesse, Ivan se convidaria junto, e eu não estava disposta a ficar me desviando de perguntas inoportunas.

Não, melhor ir sozinha. O que também me daria a chance de ficar sozinha com Pavel, depois.

Nunca se sabe.

Agosto não estava tão quente como junho, mas também colaborou no quesito clima. A multidão aglomerada no estádio Dínamo era ainda maior e bem mais variada que aquela que lotara o Petróvski no dia das eliminatórias. O estádio em si tinha um interessante formato de ferradura: era aberto do lado oposto ao da avenida.

Mais uma vez eu tive sorte de conseguir um lugar nas primeiras fileiras. Devia isso a Astrakhanov, dessa vez: ele competia pela equipe local, o que lhe garantira bons ingressos para sua torcida. Bom, talvez o fato de a equipe moscovita ser a do Exército Vermelho também tivesse sua parcela de influência nessa distribuição de lugares.

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