Capítulo 7 - Os Compatriotas

957 138 487
                                    

Voltei a interagir com meus colegas de cabine somente na hora em que trouxeram alguma comida, e depois, quando nos aproximávamos do destino, quase às dez da noite, quando Jim Adams me perguntou se eu tinha instruções sobre para onde devíamos ir em seguida.

– Recebi ordens de me apresentar diretamente no Komintern – falei, um pouco surpreendida de que eles devessem me acompanhar também após a viagem. Bem, mas se iam a Moscou para fim de treinamento, isso era normal; nós estrangeiros provavelmente seríamos todos recebidos num só pacote.

– Você tem o endereço?

– Claro – e de novo eu estranhei; por que não o tinham também?

Qualquer especulação nesse sentido se provou sem utilidade, todavia, já que, tal como ocorrera em Leningrado, na estação em Moscou havia alguém nos aguardando, com uma plaquinha. Um homem baixinho, calvo, de óculos e com um ar simpático, que se apresentou como Iliá Abramovitch. Ele foi igualmente gentil ao carregar minha mala para mim, deixando a de Carol para Adams transportar. Durante todo o caminho ele narrava, empolgado, as melhorias promovidas na cidade naquele ano, como a linha de trólebus, às vésperas da inauguração, e os avanços tecnológicos programados para os anos seguintes, como o metrô, atualmente em construção.

– E prédios, também estamos construindo muitos prédios – ele continuou a relatar. – É verdade que as pessoas ainda têm que compartilhar apartamentos com outras famílias, mas logo cada um terá seu próprio cantinho – anunciou, nitidamente feliz. – Todos temos que fazer sacrifícios agora, em prol dos grandes resultados. É uma questão de paciência.

Carol, que vinha caminhando com Adams logo atrás, emitiu um nítido barulho de descrença. Sem reparar nisso, Iliá prosseguiu com suas ponderações empolgadas.

– Sabe, faz sentido para mim a atual estratégia do Komintern: construirmos aqui o mundo do futuro, mostrar como o comunismo é positivo, para que as outras nações queiram fazer igual, vocês não pensam assim? – ele questionou. – Desse modo não impomos a revolução a ninguém. Os próprios povos olharão e pensarão "nós podemos construir isso também", e tudo acontecerá naturalmente, como o cumprimento da História... – ponderou o homenzinho, com um sorriso sonhador.

Eu tinha que confessar que essa proposta de transição razoavelmente unânime – e, quem sabe, até pacífica – agradava minha alma, e simpatizei imediatamente com Iliá e seu otimismo e disposição pacifista. Mas parte de mim guardava a lucidez, a ortodoxia partidária, a memória dos conflitos que estouravam em meu país e da ideologia lá dominante, e eu sabia que não havia chance – ao menos para o Brasil – de que o comunismo fosse implantado sem revolução. E uma revolução com grandes chances de ser sangrenta, pois toda vez que o povo se levantava com reivindicações, o governo – monarquista ou republicano, não importava – vinha com mão de ferro e esmagava impiedosamente até o último opositor.

Não falei isso para o pobre Iliá, todavia, para não derrubá-lo do cavalo muito bruscamente. Sorrindo de volta, sugeri com sutileza:

– Não tenho certeza se será suficiente... porque os governos dos países capitalistas vão tentar impedir que as pessoas vejam os avanços que se consegue aqui. Propaganda e tal.

Iliá concordou gravemente, mas não pareceu muito abalado por isso.

– Sim, claro, faz parte da luta pela sobrevivência do capitalismo agonizante... e a tendência é que essa luta se torne cada vez mais agressiva. Eles colocarão todos os seus instrumentos de controle social em ação... Mas chegará um momento que a glória da União Soviética não poderá mais ser ocultada, nem com toda a força da propaganda. Só temos que ser pacientes e trabalhar com afinco – sentenciou, parecendo pronto a pôr em prática ele mesmo esses planos.

Dias VermelhosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora