Capítulo 28 - Noites Brancas

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Quando Einstein anunciou sua teoria da relatividade, alguns anos atrás, causou um rebuliço ao revelar que a noção de tempo é relativa. Eu não sei por que as pessoas se surpreenderam; isso é uma coisa que todo mundo já sabe por experiência. Quem nunca esteve em uma aula chata ou um dia de trabalho interminável, nos quais cada cinco minutos pareciam durar uma hora?

Bom, é provável que eu esteja confundindo as coisas, e que a relatividade a que ele se referia não era exatamente essa, de como o tempo parecer transcorrer, para nós — tinha algo a ver com deslocamento e velocidade, se bem me lembro, nunca entendi a teoria muito bem. Mas isso não refuta o fato de que três semanas podem parecer poucas horas, quando estamos nos divertindo, pois foi exatamente o que me aconteceu.

Cada segundo de junho foi aproveitado. Algumas circunstâncias favoreceram essa conjuntura, e dentre elas a principal foi o fato de eu passar quase o mês todo na companhia de Pavel. Continuei trabalhando com ele a maior parte do tempo, pois o Camarada Siberianov era do tipo que achava que em time que está ganhando não se mexe. Fui requisitada umas poucas vezes para substituir sua secretária e ajudá-lo a arquivar documentos. Não voltei a ver nada de suspeito, e acabei deixando minhas desconfianças iniciais de lado, especialmente considerando que tinha mais com que me ocupar. Em outras ocasiões tive que ir a visitas guiadas com meus colegas, ou reuniões para elaboração de relatório, mas minha prática no ramo da construção foi quase toda como assistente de Pasha. Depois de terminar a pintura do prédio, nossa equipe foi direcionada para outra edificação, ainda no começo, e eu tive que pegar no pesado de verdade, dessa vez. Pelo menos poderia chegar na ELI e recitar todos os tipos de cimento para Astrakhanov quebrar a cara.

Pavel cuidava de me dar tarefas que não exigissem demais, mas eu estava sempre buscando testar meus limites — um pouco para me exibir, admito. É para carregar tijolos? Tijolos carregaremos. Mexer a argamassa? Mãos à obra. Literalmente. No fim das contas, era interessante, e talvez até útil, para o futuro. Sabe, a primeira etapa da Revolução requeria destruir o antigo regime, mas depois haveria muito a ser construído. Muito mesmo.

– Nesse ritmo você logo vai ser capaz de construir sua própria casa – Pavel comentou, observando-me empilhar tijolos animadamente, besuntando as camadas com cimento.

– Sozinha dá muito trabalho – respondi. – Vou chamar você para ajudar.

– É sempre uma boa ideia chamar um profissional – ele aprovou, com um sorriso. Permaneceu ainda um momento a me fitar, desde o outro lado da parede que estávamos erguendo, antes de completar: – Você é uma mulher peculiar, Maria.

– Peculiar bom ou peculiar ruim?

– Peculiar bom, claro. Peculiar não é sempre bom?

"Nem bom é sempre bom, Pasha", eu pensei. "O bom pode ser somente o menos pior". Mas não queria estragar o elogio com considerações filosóficas desnecessárias, então apenas sorri de volta.

Outro fator que me ajudou aproveitar ao máximo a companhia de Pavel foi terem me transferido da pensão feminina em que eu estava para o mesmo hotelzinho dos rapazes. Parece que a mudança se deveu, sobretudo, a uma questão burocrática do modo de formalização do pagamento; era mais fácil para eles ter todos os alunos da ELI num local só, emitir uma ordem de pagamento única e etc. Esse hotel não tinha hora para chegar, ao contrário da pensão anterior. Bem, na verdade tinha, mas ninguém ligava se você passasse do horário, porque o lugar já contava com uma tradição de receber intelectuais, que costumam ser boêmios e não primarem pela pontualidade. Especialmente em Leningrado. Especialmente no verão.

E aí entra o terceiro fator dessa positiva equação: as noites brancas.

O que se pode fazer em dias que não anoitece? Bem, não de todo, mas praticamente. Desde ali por volta do dia onze, as noites começaram a ser mais e mais curtas. Uma coisa parecida até ocorria no Brasil, no verão, quando só anoitecia lá pelas oito da noite. A localização bastante setentrional de Leningrado, todavia, levara esse fenômeno a um extremo. Escurecia somente às dez horas, depois meia-noite, depois uma da manhã, e às quatro da manhã já estava tudo claro de novo. E o tempo era quente e agradável, apesar das chuvas ocasionais — porque, afinal de contas, ainda era Leningrado — e convidava a ficar na rua.

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