Capítulo 62 - O Império Contra-ataca

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John é um bom companheiro, John é um bom companheiro, John é um bom companheiro, ninguém pode negar!

No fim das contas, nem foi e nem rachou. Depois de passarmos uma semana dormindo com fuzis debaixo da cama, preparados para fazermos uso deles a qualquer momento, seja para sair ativamente na frente da população, ou para nos defendermos do governo, a ausência de novidades nos fez relaxar a tensão. Relaxamos a ponto de eu preparar uma festinha improvisada para comemorar o aniversário de Astrakhanov. Nada muito extravagante, claro. Preparei um bolo e suco e uma torta salgada e falei para ele trazer seus colegas de turno, quando fossem substituídos ao meio-dia.

A rigor, o aniversário dele seria na segunda-feira, mas vai saber se os ferroviários estariam livres para vir em dia de semana. E se eu estaria disposta a fazer bolo também; é preciso aproveitar certas vontades que não surgem sempre.

Enfim, naquele sábado 13 de julho, hora do almoço, eu e uns cinco ferroviários cantávamos para "John" uma música que eles tinham aprendido com os ingleses da Western e adaptado para uma cor local.

"John" mantinha aquele ar misto de falso tédio e orgulhinho escondido, que assumia sempre que recebia louvores com os quais não sabia lidar. Mas o interesse com que ele espiava a torta não tinha nada de fingido.

Nesta conjuntura caseira e alegre, soou um tanto deslocado o grito que chegou a nós desde o portão, na voz agoniada de Quatro.

– John, acode! Acode, Seu John! Dona Anitaaaa!

O rapaz estava na calçada, empalidecido e se abanando com o chapéu. Corri para a cerca, com Astrakhanov em meu encalço, indagando já com o olhar o que se passara de grave.

– A Lei Monstro rugiu pra cima da Aliança – ele anunciou, lúgubre.

– Como assim? O que aconteceu? – questionei, sem medir a voz, ignorando totalmente a presença das vizinhas que tinham aparecido com a gritaria do Camarada Torquato. Nossos convidados também foram vindo para o quintal aos poucos, intrigados com a interrupção da festa. Os últimos ainda lançavam olhares cobiçosos para a porta, de onde se espalhava o – modéstia à parte – agradabilíssimo cheiro da minha torta de galinha.

– Estão confiscando tudo na sede.

– Por quê? – Astrakhanov sussurrou, parando ao meu lado com as mãos na cintura.

– Não sei também, ainda não vi. A irmã da Zefinha que me contou, voltou agora do centro, tinha ido buscar o filho na escola. Eu só fui em casa depois do turno pegar as crianças para vir provar o bolo da dona Anita. Quando estava saindo, me entra a cunhada com uma cara desse tamanho. "Quatro, sabe aquele lugar que você sempre vai? Tá tomado de polícia em volta! Cuidado com o que você anda aprontando, homem!". E eu já pensei o pior né! Enchi ela de perguntas, descobri que estava falando da ANL, e disparei pra lá. No caminho resolvi passar aqui e avisar vocês, pro caso de, sei lá, precisar de reforço. Vamos?

Tudo isso foi dito de um fôlego só, e, de início, eu só consegui apreender as palavras-chave. Era o suficiente, porém, para transformar minhas pernas em rodas. Nem me importei com os olhares arregalados das vizinhas. Abri a porteira e disparei numa corrida desabalada, seguida de Quatro e, dentro em pouco, Astrakhanov, que ficara para trás a fim de trancar a casa. Os dois logo me ultrapassaram, graças às pernas consideravelmente mais longas, e por não estarem de salto. Aqueles calçados inconvenientes me obrigavam ao dobro do esforço para correr sem cair. Que saudade das botas de treinamento!

Era o início de uma tarde de sábado, bem na hora da sesta, e não tinha muita gente nas ruas. Os poucos por quem cruzávamos naquela corrida desabalada, porém, abriam caminho depressa, com caretas assombradas. Teve quem fizesse o sinal da cruz, e alguns se punham a nos seguir, na curiosidade de saber o que provocara aquela marcha atribulada.

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