Capítulo 18 - O Mea Culpa

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Tanto a carta como a confissão foram concluídas e entregues no prazo necessário, e a mim restava apenas aguardar um retorno, enquanto fazia de tudo para cumprir minhas tarefas da ELI com o máximo de esmero, e passar tão despercebida quanto possível.

Quando finalmente chegou o dia de me darem o veredito sobre a aprovação da minha confissão, Tabanov compareceu à escola mais uma vez. Dessa vez era só ele e alguns envelopes pardos. A ausência da mesa julgadora já me aliviou bastante, pois de certa forma eu simpatizava com Tabanov, e achava que um homenzinho tão bonachão não seria capaz de um ato muito severo.

– Olá, Shedritcheva – ele me cumprimentou com informalidade e um sorriso simpático, acenando-me para que me aproximasse. – Como tem passado?

– Bastante bem, obrigada, e o senhor?

– Melhor não poderia estar – respondeu o homenzinho, tranquilamente, estendendo-me um dos envelopes pardos. – Seus resultados – explicou.

Eu rasguei a beirada do envelope, atribulada. Minhas mãos tremiam, e o coração disparou mais forte do que dispararia se eu recebesse um pedido de casamento, acredito. Era agora ou nunca. Puxei um maço de papéis de dentro: minha confissão. Na primeira folha, uma caligrafia afilada havia escrito um grande "aprovado" em tinta vermelha, que acionou meus pulmões para produzirem um profundo suspiro de alívio. O sorriso de Tabanov se alargou a essa reação.

– Eu sempre estive convencido de que tudo não passou de um deslize, e dos mais perdoáveis – ele comentou suavemente, enquanto eu percorria as páginas, incrédula, em busca de outras anotações. – No final, Camarada, no final – indicou, para frear meu revirar desordenado das folhas. – Há um relatório com recomendação das autoridades examinadoras. Leia com cuidado depois, mas posso resumi-lo para você. Vê-se que você é uma moça dedicada e inteligente, é o que dizem, mas talvez esteja se sentindo um pouco solitária.

Ergui o rosto de imediato, chocada com aquela avaliação tão íntima dos meus superiores. O engraçado é que eles não estavam de todo errados; tirando os dias de trabalho externo, quando eu encontrava Lucia e Sveta, me sentia, sim, um pouco sozinha. Eu não tinha vínculos fortes com ninguém na ELI. Até gostava de conversar com Silo, José Maria ou Astrakhanov, mas isso não ocorria com frequência, pois cada um de nós tinha suas próprias ocupações paralelas.

– Isso, conforme avaliaram, provavelmente contribuiu para os desmandos cometidos na primeira festa em que você teve oportunidade de participar – Tabanov prosseguiu, a cabeça inclinada reforçando sua aparência de passarinho. – Enfim, recomendam uma maior participação nas atividades de lazer coletivas, que você procure interagir mais com os colegas, e especialmente os do seu setor. Não é à toa que vocês são organizados em setores de acordo com os países de origem. A ideia é facilitar a convivência, o debate dos interesses da sua própria região... e amenizar a saudade da terra natal.

Eu agradeci o conselho de Tabanov e saí, para dar lugar ao próximo estudante arteiro que vinha também receber seus resultados. O funcionário ainda comentou alguma coisa sobre eles disporem de um psicólogo na equipe da escola, caso eu tivesse necessidade. Meu estado emocional não era tão grave, mas o que Tabanov dissera sobre solidão e saudade de casa me calou fundo na alma.

Existem várias formas de saudade. Há aquele tipo que aparece quando você está em uma situação pior que a anterior, e mesmo que a anterior não fosse muito boa e você vivesse reclamando dela, acaba sentindo saudades, quando compara com o cenário atual. E há aquele outro caso em que você está se divertindo, está feliz, e nem percebe como sente falta de algo até que alguém faça menção do assunto. Então ela desaba sobre você como uma enxurrada, e o coração chega a doer do anseio por aquilo que ficou para trás. A nostalgia divide o espaço com o amor pelo presente, e eles se digladiam, te puxando, um de cada lado.

Dias VermelhosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora