Capítulo 20 - Ano Novo na Kommunalka

431 78 412
                                    


– Casa com ele, amiga.

O local era o refeitório da fábrica de tecidos. A data, o último dia de trabalho externo de 1933. E obviamente era Lúcia quem dizia essa frase.

Eu tinha acabado de mostrar para ela e para Sveta o desenho que Pavel fizera de mim. Relutei um pouco em tomar essa atitude, guardando-o comigo por algumas semanas, retirando-o do bolso às vezes para contemplá-lo, como uma boba. O fato é que eu nunca antes tivera, ao mesmo tempo, um rapaz em quem eu estivesse interessada e amigas para conversar sobre ele, por isso sempre fora reservada sobre esses assuntos. Mas agora que a vida me presenteava com ambas as coisas, não me custava aproveitar.

– Simples assim! – ironizei.

– Simples, sim, ué. Olhe só para isso, como você não quer casar com o rapaz, depois desse retrato? Estou quase obrigando o Stas a aprender a desenhar pra fazer um pra mim.

– Lucia, ele me enviou um esboço, não um pedido de casamento.

– Isso é o de menos, questão de tempo.

– Ai, ai...

– Desiste, Liza – Sveta aconselhou, entre uma colherada e outra de sopa, me olhando com complacência. – Não adianta discutir com ela.

– Por que discutir com quem tem razão, não é mesmo? E não sei por que você está contrariando – Lucia adicionou para mim, provando da sobremesa antes do prato principal – Está na sua cara que você gosta dele; qualquer um que visse vocês juntos na festa do Komsomol chegaria à mesma conclusão.

Relanceei o olhar para Sveta. O rosto dela mostrava concordância. Largando, então, todo o disfarce, perguntei para a menorzinha:

– E ele, vocês acham que ele gosta de mim?

Lucia descansou o garfo nos lábios, pensativa.

– É difícil dizer. Ele tem cara de quem vive com a cabeça na lua, e meus olhos não alcançam tão alto – concluiu. – Sou bem pé no chão. Sveta?

A outra encolheu os ombros.

– Não sei. Talvez – respondeu, contrariada.

Eu e Lucia nos entreolhamos, e vi que ela teve a mesma impressão que eu: Sveta não estava com vontade de analisar essa questão, porque ela me mesma tinha se sentido um pouco atraída pelo meu amigo. Não adiantava perguntar nada para ela.

– Bem, isso não importa – Lucia acenou com a mão, como para encerrar o assunto. – Como eu disse, é uma questão de tempo. Se você quiser, você consegue. E isso – ela apontou para o desenho sobre a mesa – é uma indicação de que está indo no caminho certo.

Eu contemplei o esboço mais uma vez. Será que a minha cara ficava tão ridícula como eu sentia que ela ficava nesses momentos?

– O importante é não perder contato. Você poderia convidá-lo para a festa de Ano Novo lá em casa. Você vai, né?

Sim, eu iria.

Para minha surpresa, minha presença não era exigida no Comitê de Celebrações na noite em questão. O motivo era simples: não se comemorava o Ano Novo. Era um dia de trabalho normal, e os festejos estavam proibidos desde 1920, por serem considerados burgueses, como eu fiquei sabendo nos corredores da ELI. Parece que, nos primeiros anos, chegavam a colocar patrulhas na rua, espiando pelas janelas das pessoas, para flagrar quem violava a proibição. Mas logo as autoridades passaram a fazer vista grossa, até porque todo mundo continuava comemorando do mesmo jeito.

Astrakhanov seguiu esse padrão de se fingir desentendido, quando fui avisá-lo de que ia dar uma saidinha na virada do ano. E foi assim que eu me vi sentada em um bonde, seguindo para o subúrbio de Moscou, às 21 horas do domingo 31 de dezembro de 1933.

Dias VermelhosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora