Senti falta de uma música de suspense depois das palavras de Miranda. O que tivemos, pelo contrário, foi um silêncio de suspense. Silo, definitivamente o mais impaciente entre nós, quebrou-o com a pergunta:
– E por que você acha que eles acham isso?
Miranda se pôs de pé, começando a andar de um lado para o outro no quarto, como se a excitação com a perspectiva anunciada não o deixasse ficar parado.
– Você tinha que estar lá para entender. Tinha gente naquela sala... gente que para nós não passa de nomes, entende? E quando eles se dedicam pessoalmente a alguma coisa... não pode ser à toa.
– Eu ouvi mesmo que eles fizeram muitas perguntas – Silo comentou.
Nós, mais jovens, não ousávamos abrir a boca. Ainda estávamos nos sentindo um pouco fora de lugar dentro daquele suprassumo da atmosfera conspirativa – apesar de vivermos essa atmosfera cotidianamente, num grau mais leve.
– Perguntas? Homem, eles nos dissecaram – Bangu respondeu, de seu lugar apoiado no balcão que dividia a sala e a cozinha diminuta. – Eles queriam números, números exatos.
– E vocês, o que responderam? – José Maria criou coragem para questionar.
– Vocês, certamente, trouxeram estatísticas, não? – complementei.
Miranda olhou para nós, e em seguida fez um sinal de "mais ou menos" com a mão.
– A gente nunca sabe quantos realmente temos conosco, não é? Há os provocadores, e também há gente que se interessa, mas não se compromete... Demos os números aproximados, que era o que a gente tinha.
– Bom, e quantos temos? – Silo perguntou, ansioso. – Acha que se eles realmente... bem, derem uma ordem... haverá gente suficiente para conduzirmos a revolução?
Eu olhei para Bangu por cima do ombro. Ele tinha um ar meio incerto. Miranda, por sua vez, respondeu com entusiasmo.
– Oh sim. Certamente. Afinal de contas, só na capital a gente já controla os sindicatos mais importantes. O da Leopoldina, o da Light, os ferroviários... Só esses já contam com mais de cinquenta e dois mil trabalhadores filiados. E nós ainda temos grande influência nos sindicatos dos metalúrgicos, da construção civil, dos motoristas e na União Têxtil... – ele contou nos dedos. – Já dá mais sessenta mil pessoas.
– É muita gente, mesmo – admirou-se Jaime.
– E todo esse povo está filiado ao Partido? – eu perguntei, assombrada. Fiquei tentada a perguntar qual o milagre que tinha acontecido enquanto estávamos fora, porque quando eu saíra do país, não sei se chegávamos a mil comunistas ao todo.
– Não – admitiu Miranda. – Mas são gente que está à disposição, simpatizantes, entende? Num eventual levante, tenho certeza que eles se juntarão a nós. E não só eles, todo o proletariado brasileiro. O povo está realmente cansado das mesmas caras.
– O que te faz pensar assim?
O Secretário-Geral deu a volta no divã, debruçou-se sobre a sua mala, e tirou de um fundo falso um bolo de jornais, que atirou no meu colo.
– Isso me faz pensar assim.
Compartilhei os jornais com meus colegas, para que pudéssemos explorar as notícias e notinhas circuladas mais rápido. A linha ideológica dos jornais variava, embora fossem todos pequenos, setoriais, mas o assunto era apenas um: a Aliança Nacional Libertadora.
Nos debatemos um pouco com as reportagens, até que Silo pediu a Miranda:
– Resume, porque... é muita coisa para a gente ler agora.
ESTÁ A LER
Dias Vermelhos
Historical FictionEm 1933, o mundo estava como o conhecemos hoje: politicamente dividido, flagelado por guerras e recuperando-se de uma crise econômica sem precedentes. Os ânimos estavam inflamados ao ponto da selvageria. Maria Clara logo escolheu seu lado...