Capítulo 37 - A Curto Prazo

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Senti falta de uma música de suspense depois das palavras de Miranda. O que tivemos, pelo contrário, foi um silêncio de suspense. Silo, definitivamente o mais impaciente entre nós, quebrou-o com a pergunta:

– E por que você acha que eles acham isso?

Miranda se pôs de pé, começando a andar de um lado para o outro no quarto, como se a excitação com a perspectiva anunciada não o deixasse ficar parado.

– Você tinha que estar lá para entender. Tinha gente naquela sala... gente que para nós não passa de nomes, entende? E quando eles se dedicam pessoalmente a alguma coisa... não pode ser à toa.

– Eu ouvi mesmo que eles fizeram muitas perguntas – Silo comentou.

Nós, mais jovens, não ousávamos abrir a boca. Ainda estávamos nos sentindo um pouco fora de lugar dentro daquele suprassumo da atmosfera conspirativa – apesar de vivermos essa atmosfera cotidianamente, num grau mais leve.

– Perguntas? Homem, eles nos dissecaram – Bangu respondeu, de seu lugar apoiado no balcão que dividia a sala e a cozinha diminuta. – Eles queriam números, números exatos.

– E vocês, o que responderam? – José Maria criou coragem para questionar.

– Vocês, certamente, trouxeram estatísticas, não? – complementei.

Miranda olhou para nós, e em seguida fez um sinal de "mais ou menos" com a mão.

– A gente nunca sabe quantos realmente temos conosco, não é? Há os provocadores, e também há gente que se interessa, mas não se compromete... Demos os números aproximados, que era o que a gente tinha.

– Bom, e quantos temos? – Silo perguntou, ansioso. – Acha que se eles realmente... bem, derem uma ordem... haverá gente suficiente para conduzirmos a revolução?

Eu olhei para Bangu por cima do ombro. Ele tinha um ar meio incerto. Miranda, por sua vez, respondeu com entusiasmo.

– Oh sim. Certamente. Afinal de contas, só na capital a gente já controla os sindicatos mais importantes. O da Leopoldina, o da Light, os ferroviários... Só esses já contam com mais de cinquenta e dois mil trabalhadores filiados. E nós ainda temos grande influência nos sindicatos dos metalúrgicos, da construção civil, dos motoristas e na União Têxtil... – ele contou nos dedos. – Já dá mais sessenta mil pessoas.

– É muita gente, mesmo – admirou-se Jaime.

– E todo esse povo está filiado ao Partido? – eu perguntei, assombrada. Fiquei tentada a perguntar qual o milagre que tinha acontecido enquanto estávamos fora, porque quando eu saíra do país, não sei se chegávamos a mil comunistas ao todo.

– Não – admitiu Miranda. – Mas são gente que está à disposição, simpatizantes, entende? Num eventual levante, tenho certeza que eles se juntarão a nós. E não só eles, todo o proletariado brasileiro. O povo está realmente cansado das mesmas caras.

– O que te faz pensar assim?

O Secretário-Geral deu a volta no divã, debruçou-se sobre a sua mala, e tirou de um fundo falso um bolo de jornais, que atirou no meu colo.

Isso me faz pensar assim.

Compartilhei os jornais com meus colegas, para que pudéssemos explorar as notícias e notinhas circuladas mais rápido. A linha ideológica dos jornais variava, embora fossem todos pequenos, setoriais, mas o assunto era apenas um: a Aliança Nacional Libertadora.

Nos debatemos um pouco com as reportagens, até que Silo pediu a Miranda:

– Resume, porque... é muita coisa para a gente ler agora.

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