Capítulo 27 - Eliminatórias

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As águas do Pequeno Nevá cercavam completamente a ilhota fluvial em que estava situado o Estádio Petróvski, e o sol refletia nelas, resplandecendo intensamente sobre a arena, como se ele mesmo estivesse a fim de assistir as competições que teriam lugar ali dentro de alguns minutos.

Era quarta-feira, e as multidões livres do trabalho lotavam as arquibancadas do recém-restruturado estádio, ávidas por assistir às eliminatórias leningradenses do Campeonato Interdepartamental Pan-soviético de Atletismo. Eu, Anna Anatolievna, Ivan Petrovitch, Andriusha e Dúnia nos espremíamos numa das fileiras mais próximas do campo. Não era a melhor acomodação em termos de visão global, mas Anna queria ficar num lugar de onde pudesse avistar o filho, e que ele pudesse ouvir seus gritos também. Pétia conhecia o pessoal da organização, e tinha conseguido isso para nós. Ele e Elena – uma lourinha simpática que podia passar por irmã de seu marido – tinham chegado mais cedo, e nos entregaram uns cartazes para apoiar Pasha e Kólia. Anna Anatolievna olhou enfezada para os cartazes e se recusou a segurar algum, considerando que as palavras de estímulo grafadas neles não eram das mais elogiosas.

Antes que ela tivesse tempo de bronquear Pétia pelas brincadeiras sem graça, Andriusha cutucou a mãe e apontou para a extremidade mais próxima do estádio. Os atletas vinham saindo do portal que levava aos vestiários. Anna esqueceu imediatamente o louro baixinho e se virou para o outro lado, começando a torcer com gritos e hurras antecipados, cuja altura obrigou Pavel a vir até nós, pedir para ela maneirar no tom.

Ao mesmo tempo em que experimentava sensações esquisitas ao vê-lo novamente de regata, eu tive que cobrir a boca com a mão para me impedir de rir das pernas esguias expostas pelo short e quase tão brancas quanto o tecido, naquele tom de pele que minha mãe chamava de "lagartixa transparente". Kólia, por seu turno, era visível à distância, no meio dos demais atletas, comprovando que aqueles uniformes não favoreciam ninguém cujo corpo fugisse do padrão deus-grego.

Pasha nos alcançou, e meu olhar subiu dos ombros para o rosto dele.

– Você pode querer guardar o fôlego para mais tarde, mãe – ele sugeriu, em tom suave. – Ainda temos uma tarde inteira de provas pela frente.

– Ai, mas eu já sei que você vai ganhar todas, meu filho! – ela exclamou com ar confiante, juntando as mãos. Pavel ergueu as sobrancelhas, enquanto Andriusha roncava uma risada.

– É bastante improvável, – Pasha falou, – mas se eu ganhar em alguma das modalidades, já fico feliz. As finais são em Moscou – ele comentou casualmente, para mim.

– Vai ganhar sim, Pasha, você leva jeito – estimulou Ivan, num tom tão calmo como o do filho. – Na grande guerra imperialista, costumavam me usar de mensageiro, porque eu era quem corria mais rápido no regimento – contou, não sem uma ponta de orgulho.

– Eh, para alguma coisa essas pernas compridas têm que servir – Pétia opinou, levando um olhar feio de Anna Anatolievna.

– Em quais modalidades você está competindo? – Lena perguntou.

– Corrida. Cem, duzentos e quatrocentos metros rasos, mil e quinhentos metros e o revezamento.

– Você não ia disputar arremesso de martelo também? – Andriusha estranhou.

– Ia, mas para essa preferiram escalar o Kólia – Pavel respondeu, olhando por cima do ombro para o amigo, que se aproximava. – Por motivos óbvios – ele riu.

– Você precisa comer mais, filho – Anna Anatolievna aconselhou.

– É o que eu sempre digo para ele – Kólia reiterou.

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