As revistas femininas diziam que você não deve deixar seu namorado circundar seus ombros com o braço no cinema. Não era decente. Eu não costumava ler essas revistas, mas não conseguia evitar pensar na cara que fariam suas redatoras – ou redatores – se me vissem naquele momento, aboletada no colo de Pavel, trocando beijos intensos, enquanto um longa-metragem de drama se projetava na tela lá na frente.
A promessa de manter as mãos em terreno seguro, fielmente cumprida durante a semana, tinha acabado de ser esquecida, e ele tateava as laterais das minhas pernas, enquanto a boca descia pelo meu queixo e pelo pescoço.
Sabe aquela história de que os quietinhos são os piores? Quem disse isso sabia do que estava falando.
– Pasha, daqui a pouco vão nos expulsar! – eu sussurrei, emitindo o mínimo de som possível. Ele suspirou pesadamente, sua respiração fazendo cócegas em meu ombro, e me colocou de volta em meu lugar, mantendo apenas uma mão entrelaçada na minha.
– Perdão. É que é difícil lidar com o fato de que não vou te ver amanhã – ele murmurou. – E que não sei quando nos veremos novamente.
Suspirei.
– Nem me fale.
A semana fora gasta em escapadelas, toda vez que eu tinha uma hora livre. Carmen devia estar pensando o que teria acontecido comigo, pois eu não me dei o trabalho de deixar recado antes de simplesmente não aparecer nas nossas sessões de tradução. Mas tudo bem, eu inventaria alguma desculpa depois. Recuperaria as tarefas atrasadas depois, também; agora, todo minuto era precioso, ainda mais sabendo que cada encontro era um encontro a menos, numa irritante contagem regressiva semanal. Hoje finalmente tínhamos o dia inteiro para nós, e, no entanto, a consciência perene de que aquelas eram nossas últimas horas juntos até segunda ordem manchava com certa dose de agonia o prazer da convivência.
Era como se, atrás de cada palavra doce, pudéssemos ouvir o apito do trem noturno, anunciando a partida.
– Vamos só... prestar atenção no filme, e depois a gente pensa nisso – eu pedi, tentando me concentrar na tela lá embaixo. Mas é claro que um filme chamado Noite em Petersburgo e baseado na obra de Dostoievski não serviria para nos distrair do fato de que ele tinha que voltar para Leningrado – a antiga São Petersburgo – naquela mesma noite.
Justiça nos seja feita de que aquele filme não fora nossa primeira escolha. Não seríamos tão estúpidos. Entramos no cinema para assistir uma comédia muda chamada "Acordem a Lena!", sobre uma menina que fica lendo até tarde e nunca consegue chegar a tempo na escola. Se eu escolhi por identificação com a personagem? Talvez. Pavel também gostava de filmes mudos; ele e os amigos tinham tocado a trilha sonora de um deles uma vez. Mas o filme durava menos de meia-hora, o cinema estava tão quentinho e as cadeiras tão confortáveis que resolvemos ficar para a próxima sessão.
E foi assim que o drama entrou nas nossas vidas.
– Ouso dizer que eu não preciso de mais nada triste para hoje – Pasha murmurou, após uns minutos vãos tentando se concentrar no enredo. – Um parque de diversões seria melhor para o meu humor.
– Bem, vamos encontrar um, então – eu propus.
– Ou um circo, ou algo do tipo.
– Circo não – retruquei. – Não gosto de palhaços.
Nos levantamos e nos esgueiramos o mais discretamente possível para fora. Recebemos um olhar estranho do lanterninha ao passar por ele, e preferi não me indagar o que ele teria visto, e pior, o que teria imaginado.
Vagando pela cidade e perguntando aqui e ali, não encontramos nenhum parque de diversões ou circo, mas fomos dar por acaso com uma feira, uma exposição das conquistas da Juventude Comunista. Afinal de contas, era preciso ocupar a juventude comunista com alguma coisa no dia de folga, e de preferência com algo que viabilizasse o acréscimo de novas fileiras aos contingentes dessa juventude.
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Dias Vermelhos
Historical FictionEm 1933, o mundo estava como o conhecemos hoje: politicamente dividido, flagelado por guerras e recuperando-se de uma crise econômica sem precedentes. Os ânimos estavam inflamados ao ponto da selvageria. Maria Clara logo escolheu seu lado...