Braços dados, todos ouvindo a respiração uns dos outros, nós marchamos.
E freamos bem na frente da cavalaria.
Joaquim Galvão limpou a garganta.
— Os senhores podem nos dar licença? Temos uma manifestação pacífica para realizar neste local.
O capitão da tropa lançou um olhar entediado para Joaquim.
— Não pode — ele disse, e voltou à imobilidade.
— A... a Constituição... nos garante... — Joaquim gaguejou. Eu vi que ele começava a avermelhar, e firmei o aperto do meu braço no dele. Não ia esse homem pular no capitão e ganhar uma saraivada de balas de graça para o grupo todo, pelo amor de Deus.
— Não sei o que diz a Constituição — interrompeu o capitão. — Sei o que diz essa ordem aqui — ele sacou do bolso um papel, desdobrou-o e leu em voz alta: — "Impedir manifestação extremista desautorizada".
Pisei no pé de Leonila, para calar o resmungo de "já te mostro o extremismo" que ela ia deixando escapar. Era preciso muita cautela, pois estávamos como que caminhando sobre uma lâmina afiada. Eu podia sentir Zefinha tremendo atrás de mim, e com ela várias das mulheres que formavam nosso contingente.
— Não temos nenhuma intenção extremista — "hoje", completei, mentalmente. — Gostaríamos, apenas, de exercer nossa liberdade de expressão e externar nosso posicionamento com relação a determinadas situações de interesse do nosso povo.
— Façam isso nas suas casas — o capitão tornou, sem nem me fitar.
Os outros soldados não diziam nada. Hierarquicamente, não lhes cabia. Mas nem todos pareciam concordar com aquela atitude. Divisei o Sargento Quintino no meio do grupo, e ele me sinalizou com o olhar que não era hora de resistir. Pelo jeito eles tinham ordens bem flexíveis no tocante ao emprego da força.
Ainda assim, tentei:
— Quinze minutos?
— E então? — me perguntava Astrakhanov, na noite seguinte, quando ele finalmente voltou para casa a fim de descansar um pouco e tomar um banho.
Francamente, estava precisando.
— Então voltamos, né. Fazer o quê?
— Eles chegaram a atirar?
— Não, apenas engatilharam e apontaram. Metade do pessoal já saiu correndo ao ouvir o estalo do gatilho, e só com vinte pessoas desarmadas não tinha nem como resistir.
Estávamos sentados na sala após o jantar, com o rádio ligado para abafar a conversa, como de costume, e os grilos do quintal conseguindo cricrilar mais alto que o aparelho. A voz de Astrakhanov demorou um momento para romper outra vez essa harmonia sonora.
— Pena. Mas vocês tentaram, é o que importa. Pelo menos a tentativa saiu no jornal e produziu um bom efeito na moral dos homens aqui de Natal. Talvez tenha produzido entre o povo da cidade também.
— Há algum avanço na luta?
— Pelo contrário — Astrakhanov suspirou, afundando no sofá. — Ontem estávamos mais agitados, mas a direção não queria confrontar. Mandaram pregar avisos em todas as estações aconselhando calma e prometendo que atenderiam as reivindicações "na medida do possível". Mas hoje eu entreouvi a chefia lendo um telegrama que me certificou que essas promessas só servem para enrolar enquanto eles organizam o contra-ataque. Diz o superintendente regional, lá de Pernambuco, que o Ministro do Trabalho condenou a greve como uma tentativa de desequilibrar o cenário das negociações que eles estão conduzindo com o nosso sindicato, e agora se recusa a prosseguir no diálogo. Parece que em Pernambuco e Alagoas o pessoal já se abateu e voltou ao trabalho, só uns maquinistas teriam permanecido fieis. Mas isso pode ser informação falsa para nos desunir. Você podia escrever para o Silo pedindo confirmação, o que acha?
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Dias Vermelhos
Historical FictionEm 1933, o mundo estava como o conhecemos hoje: politicamente dividido, flagelado por guerras e recuperando-se de uma crise econômica sem precedentes. Os ânimos estavam inflamados ao ponto da selvageria. Maria Clara logo escolheu seu lado...