Capítulo 39 - E agora, Maria?

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No momento em que uma grande decisão é empurrada para o seu caminho – e ela geralmente é empurrada, porque tendemos a evitá-las ao máximo para poupar sofrimento – você sente até fisicamente. Um gigante se assenta sobre o seu peito, uma esfera opressiva se instala em torno do seu estômago, e os caminhos da mente se interligam formando um labirinto que sempre retorna para o assunto que você está tentando evitar. As outras funções corporais – sono, apetite, cognição – ficam prejudicadas, até que você dê o passo fatal.

Nesse sentido, decidir – independente das consequências – é sempre um ato de libertação.

Eu ainda não havia me libertado. Quando cheguei ao alojamento dos estudantes, a esfera ainda comprimia meu estômago e os pensamentos rodavam mais lentos do que nunca, por isso demorei a associar quem me cumprimentou na porta.

– Quer ir conosco, Liza?

– Para onde? – perguntei, finalmente focalizando o rosto de José Maria. Jaime e Silo estavam com ele, os três bem encasacados.

– Para o prédio principal. Vamos esperar o jantar por lá mesmo, e passar um tempo na biblioteca para terminar as pendências do grupo de estudos sobre a experiência chinesa – ele falou. Acenei compreensão, embora tivesse ouvido apenas a metade. – Quer vir com a gente? – ele repetiu.

– Acabei de voltar de lá – respondi. – E não estou com fome.

– Certo, você é quem sabe – e, ajeitando a gola para proteger do vento a parte inferior do rosto, ele me ultrapassou, junto com os outros.

Ao passar por mim, Silo me lançou um olhar sério, que eu devolvi, e naquele momento ambos soubemos: você sabe do que eu sei. Desviei o olhar, porque não estava muito a fim de me comunicar com uma pessoa que podia ter me adiantado a surpresa de hoje e me dado tempo para me preparar, mas não o fizera.

Entrei no alojamento, e subi as escadas como um robô. Adentrei meu quarto, mas ele me pareceu claustrofóbico, graças à ausência de janelas, e, além disso, Tatiana ou Ludmila poderiam aparecer lá a qualquer hora. Eu realmente não podia ser interrompida no que me dispunha a fazer.

Saí e me dirigi à sala de Astrakhanov.

– Será que eu poderia ficar um pouco naquele quarto que foi desocupado, no outro corredor? – eu pedi. Alguns alunos da outra turma já tinham retornado para seus países, esvaziando parte do alojamento.

Astrakhanov me encarou com um olhar penetrante. Se minha expressão correspondia às sensações internas, eu devia estar levemente verde de enjoo. Sem dizer nada, ele abriu uma gaveta da sua escrivaninha, tirou um molho de chaves, e destacou uma delas, entregando-me.

– De volta na minha mesa antes de você ir dormir – alertou – e nem uma ruga do tapete fora do lugar.

Acenei compreensão, e avancei para o quarto visado, tropeçando ocasionalmente nos próprios pés, como se estivesse bêbada. Entrei, tranquei a porta, lancei minha autorização do mestrado sobre a escrivaninha vazia, e me joguei na cama mais próxima, impecavelmente arrumada. A ausência dos habituais moradores já se fazia notar, porém, por uma levíssima camada de poeira que cobria a mesa.

Eu comprimi os olhos com as mãos e deixei escapar um longo suspiro.

Não sabia nem por onde começar a considerar a questão.

À opressão não mais sujeitos!

Somos iguais todos os seres.

Não mais deveres sem direitos,

Não mais direitos sem deveres!

Dias VermelhosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora