Capítulo 16 - A festa do Komsomol

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Pavel despertava tudo o que havia de contrarrevolucionário em mim.

Esse pensamento reboava em minha cabeça culpada enquanto eu, tão produzida quanto permitiam os poucos produtos de beleza que eu possuía, me aproximava do prédio amarelado do TRAM, isto é, do Teatro da Juventude Trabalhadora. Talvez isso fosse uma dramatização exagerada da minha parte, afinal, eu estava indo a uma festa em comemoração ao Dia da Revolução, mas dera o azar de cruzar com a Major Bruntieva na saída, e a cara que ela tinha feito para a minha indumentária fez eu me sentir a mais fresca das burguesas.

Sim, falar em contrarrevolução era exagero. Mas não se podia negar que ele roubava parte da atenção que eu devia devotar somente a meus deveres políticos.

E essa pontinha remanescente de culpa, em vez de me dissuadir, parece que só dava mais sabor à perspectiva de encontrá-lo.

Parei na frente do prédio e o encarei. Tinha apenas dois andares, talvez três, se aquelas janelinhas de cima correspondessem a verdadeiras salas. O pé direito extremamente alto do segundo andar, todavia, fazia com que o edifício inteiro fosse alto. Naquele andar, além das colunas em estilo greco-romano e das amplas janelas, possivelmente ficavam as galerias do teatro. As grossas portas de madeira estavam fechadas para conservar o calor, mas abriam-se o tempo todo para deixar passar moças e rapazes entretidos nas próprias brincadeiras.

Aproveitei e entrei na rabeira de um grupo que passava.

Eu tinha vindo por conta própria, apesar de saber que mais algumas pessoas da escola compareceriam ao evento também. Ninguém que eu conhecesse o bastante para combinar de vir junto, mas tentaria procurá-los no local para ter alguma companhia na volta. Andar sozinha na rua altas horas da noite era meio arriscado para uma garota, e não é como se eu pudesse pedir a Pavel para me acompanhar dessa vez. Seria linchada por quebrar o sigilo.

O saguão de entrada já estava lotado, e eu esperei um bocado de tempo na fila para guardar o casaco. Havia muita gente jovem em Moscou, era tudo o que eu podia concluir ao tentar escapar do esmagamento, e tinham todos vindo à festa naquela noite.

Ignorando as escadas que levavam ao segundo andar e seguindo o fluxo da multidão, passei por algumas colunas e rumei à direita. Desci, então, dois conjuntos de degraus que davam acesso ao primeiro ambiente por onde o povo começava a se espalhar, permitindo ver (e respirar) melhor. Parecia uma espécie de vestíbulo, com pequenas poltronas para descanso e mesinhas com cinzeiros perto das paredes em alguns trechos. As poltronas já estavam todas tomadas e, não vendo nenhum rosto conhecido, eu segui para a próxima sala.

Dali, passei a um ambiente bem amplo, em que evidentemente se concentrava o grosso dos frequentadores do evento. Havia mesas com comida e bebida encostadas na parede oposta às portas. Apesar de estar com fome, não fui direto para lá. O chão era de madeira, de taco, e num dos extremos havia um palco baixo, em que agora um rapaz, provavelmente um estudante, declamava poemas em honra da Revolução. Atrás dele, um grupo de músicos tocava baixinho, fazendo somente um fundo musical para a declamação, provavelmente esperando a hora em que eles tomariam o primeiro plano.

A você,

Vaiada

Zombada pelos batalhões

A você

Ulcerada pela maledicência das baionetas,

Arrebatadamente alço

Acima dos amargos impropérios

Numa ode, um solene

"Oh"!

Dias VermelhosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora