Capítulo 47 - Tropa de Elite

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– E como avalia o progresso deles? – eu perguntei a Astrakhanov, que voltava do banheiro, ainda abotoando a camisa sobre a regata. Ele parou um instante, pensativo, remangando as mangas até o cotovelo para aguentar o calor do dia, enquanto eu terminava de arrumar minha própria cama.

– Na verdade, muito bom – respondeu, por fim, com o que pareceu surpresa. – Especialmente considerando o pouco tempo. Vocês eu tive que ensinar por mais de meio ano até que tomassem jeito.

– Nós tínhamos outras matérias... – resmunguei, tentando justificar.

Hoje, começo de março, era o último dia do curso intensivo ministrado por Gruber e John Stuart aos militantes que deviam seguir para o Nordeste e preparar a população de lá para o levante. A primeira turma – seis alunos – estava prestes a se formar, e apesar de serem poucas pessoas, finalmente tínhamos a sensação de que a ação havia começado. Alguma ação, pelo menos.

Astrakhanov e eu tivéramos breves contatos com o pessoal do Partido, durante o mês de fevereiro. Miranda não prestou muita atenção em nós, porque estava ocupado com problemas na liderança, consertando pequenos desmandos cometidos pelo tal instrutor Alonso na sua ausência. Finalmente colocaram juízo na cabeça dele, e ele despediu o burguês que estava atuando como Secretário de Organização, devolvendo o cargo a Martins, que voltava de umas pequenas férias por motivo de saúde.

Quando Martins assumiu de volta o cargo, começou a se mexer para executar as ideias de Gruber. Depois de algumas reuniões com o estrangeiro, ele arranjou local, material e estudantes, e apareceu no nosso apartamento de surpresa numa bela manhã, convocando a mim e a Astrakhanov para uma temporada em uma chácara.

Não, ele não trouxe nenhuma senha, mas para sua sorte Astrakhanov estava no banheiro e fui eu que atendi a porta. Lembrava-me do rosto dele de tempos idos – apesar de serem feições bem comuns – e, quando me viu, ele também fez uma careta como quem puxa alguma coisa pela memória.

– É aqui que moram os Stuart? – perguntou.

Eu confirmei.

– Você... já esteve por aqui, não? – ele questionou, após uma hesitação. – Mas se eu não me engano, não se chamava Anita...

Fiquei em dúvida se refrescava a memória dele sobre a minha identidade – afinal, eu era ativa antes da minha viagem, mas não exatamente a militante mais destacada do Partido, normal que não se lembrasse de mim – ou se era melhor silenciar a respeito, mas o próprio Martins deixou o assunto para lá com um aceno de mão.

Astrakhanov ouvira conversa e viera ao vestíbulo com ar curioso e cauteloso. Martins, sem se deixar intimidar pela carranca ou pela altura do tenente – o brasileiro também era um homem grande – adiantou-se para ele com a mão estendida:

– John Stuart? – Astrakhanov confirmou com a cabeça, apertando a mão do Secretário Nacional. – Consegui os fuzis que foram pedidos e uma metralhadora. Se possível temos que poupar munição. Está tudo lá, só nos esperando. Cadê as coisas de vocês? – questionou, olhando em volta.

– Que coisas? – retruquei.

– Ora, as malas. Ou a mala. Não precisa levar muito, a previsão é para que o curso esteja finalizado em uma quinzena – disse.

Eu ergui as sobrancelhas. Alguém podia ter nos prevenido... Mas não reclamei.

– Dê-me um minuto – pedi, e fui correndo para o quarto.

Lá, abri minha mala e joguei ali algumas peças de roupa. Peguei os jornais de esquerda que estavam sobre minha cômoda e os espalhei por cima das roupas. Assim, se por acaso o apartamento recebesse uma visitinha da polícia durante nossa ausência, não encontrariam nada de comprometedor. O aparelho, supostamente, era seguro, mas vai que...

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