Capítulo 48 - A Aliança Nacional Libertadora

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Durante o mês de março ainda realizamos mais um curso. A turma não era excelente como a anterior, mas se esforçou bastante, e fez um trabalho razoável. Dois alunos se destacaram: o Camarada Tapajós, que assimilou tão bem o conteúdo que decidiram enviá-lo de imediato para o Nordeste, para ministrar cursos lá, e Francisco Romero, um rapaz aplicado a quem Gruber – que se apresentava aos alunos e ao pessoal do Partido como "Pedro" – escolheu para seu assistente pessoal.

Por outro lado, houve um incidente desagradável nessa segunda edição do curso: um camarada mineiro chamado Pintado estava preparando uma mistura quando ela explodiu, causando-lhe queimaduras nas mãos e no rosto. Levaram-no para ser atendido por um médico que pertencia ao Partido, e ficou tudo bem. Mas o acontecido fez com que Gruber pressionasse Martins para fazer a seleção dos alunos com mais critério da próxima vez. Afinal de contas, a atividade era de risco, e era essencial que o aprendiz fosse cuidadoso para manipular aquelas substâncias.

Assim, enquanto Martins não achava novos meninos-prodígio para os cursos de Gruber, era preciso encontrar outra coisa em que se ocupar. Berger não parecia interessado em que eu e meu falso marido nos envolvêssemos com tarefas designadas pelo Partido, e preferia nos manter em suspenso para quando o Komintern tivesse necessidade dos nossos serviços. Para não haver confusão sobre a quem devíamos responder, ele dissera.

O fato é que, no momento, o Komintern não estava nos usando para nada. Continuávamos na mesma encruzilhada, com Berger correndo de um lado para o outro, tentando resolver as questões administrativas, enquanto aos demais restava esperar os companheiros que faltavam. Especialmente Prestes. Sim, se todos chegassem, menos ele, continuaríamos sem poder fazer muita coisa de efetivo. Berger mandava telegramas, indagava. Altobelli escrevia cartas, esbravejava, exigia.

O comandante da Polícia, Filinto Muller, dera uma declaração no início do ano, presumivelmente em nome do Ministro da Justiça, afirmando que Prestes poderia voltar legalmente ao Brasil. Berger e Altobelli informaram à Maison sobre essas declarações, deixando claro, porém, nossa opinião de que aquilo soava demais como uma armadilha.

Até agora, porém, nada sabíamos de concreto a respeito do paradeiro do nosso general. E, ironicamente, a imprensa parecia saber: os jornais começaram a publicar notícias dizendo que ele tinha voltado ao Brasil, estava em Mato Grosso, no Nordeste, no Uruguai, esperando para atravessar a fronteira. Prestes parecia onipresente; era mais visto que o Saci-Pererê ou algum ser mitológico análogo.

O pessoal do Partido – e principalmente da Aliança Nacional Libertadora, que se constituiu oficialmente em doze de março – era obrigado a desmentir esses rumores, quando eventualmente os jornalistas os procuravam. Internamente, uma pequena caça às bruxas se processava, para tentar descobrir se alguém vazara a informação do retorno de Prestes, ou se aquela boataria era só uma especulação esperta da polícia para mordermos a isca.

E nós, os "Stuart", apenas observávamos tudo isso de camarote. Nosso pouco tempo no país e mínimo contato com camaradas do Partido nos colocava fora de suspeita. Enquanto esperávamos o sinal verde para alguma tarefa, nos ocupávamos basicamente em uma rotina de automanutenção e cultivo das próprias habilidades.

Desde o dia em que fora à feira pela primeira vez, descobrindo-se incapaz de decifrar regionalismos e sotaque pesado, Astrakhanov decidiu que não ficaria mais atordoado com a língua do país para o qual fora designado em missão. Ele comprou um par de gramáticas e um dicionário de português, e passava a maior parte do tempo livre mergulhado neles, ou nas praças perto do nosso apartamento, conversando com qualquer velhinho que se dispusesse a lhe contar histórias de tempos idos, comentar as façanhas dos netos, ou reclamar da situação atual.

– É preciso aprender a linguagem do povo – ele dizia. – Se não, não vou conseguir ensinar nada direito – completou, se referindo aos cursos de tiro.

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