Capítulo XXIV

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Quando adentrei a delegacia, deparei-me com a recepção vazia. Caminhei até a primeira sala, encontrando a porta entreaberta. Ao entrar, deparei-me com Nicolas dormindo, a cabeça apoiada na mesa, e seu ronco ecoava pelo cômodo. Sobre a mesa, havia uma marmita com o resto de uma salada e alguns ossos de frango.
Aproximei-me de Nicolas pela lateral da mesa e toquei em seu ombro.
— Nick. – chamei. Seu ronco soou mais alto, seguido de um engasgo. Estreitei os olhos. — Ei, acorde. – chacoalhei seu ombro.
Nicolas despertou, assustado.
— Qual é, Ema? Tá estragando meu sonho de novo.
— Algo emocionante ocorreu na minha ausência?
— Não. – Nicolas se espreguiçou.
— Imaginei. – apoiei minhas coxas na mesa e cruzei os braços. — Posso te fazer uma pergunta?
— Faz. – Nicolas inclinou a cadeira para trás e apoiou um dos tornozelos na mesa.
— Acha natural uma pessoa agir como um cachorro?
— Quê? – Nicolas semicerrou os olhos. — Quem acha que é um cachorro?
— Ninguém. – me afastei da mesa. — Esquece o que eu disse, vou dar uma volta na viatura.
— Espera, Ema. – Nicolas me observava. — A Sarah acha que é um cachorro?
— Não.
— Quem acha que é um cachorro?
— Nick, esquece. Você não entende nada, assim como eu. – respondi.
— Ema, você vai me deixar de fora? Quem foi para o bar com você e te ouviu falar mal da Layla por duas horas quando ela te largou?
— Duas horas? Eu não me recordo disso.
— Foi uns vinte minutos, mas parecia duas horas. – disse Nicolas. — Eu estou com você, na alegria e na tristeza. Eu sou seu amigo. Então, pare de guardar segredo.
— Tá, mas fique de bico fechado, ok? – indaguei.
— Minha boca é um túmulo.
— A casa da Sarah foi invadida por duas mulheres, mas tudo bem, são amigas dela. Essas mesmas amigas foram flagradas por nós fazendo sexo na cama da Sarah. Depois, Sarah foi aprontar o jantar e... Meio que fui interrogada por uma das amigas dela que é dominatrix. E a outra amiga de Sarah pôs uma coleira e um rabo, e engatinhou pela sala... Ah, enquanto ela apanhava, Sarah meio que me masturbou. Comemos lasanha e voltei para cá.
Nicolas estava boquiaberto.
— Arrombaram a casa da Sarah pra transar na cama dela? E que merda é essa de rabo? É uma calcinha com um rabo de coelho?
— É um plug anal. – respondi.
— Caraca, Ema! – Nicolas abriu mais os olhos. — Você usou também?
— Claro que não, Nicolas. – respondi.
— Mas você deixou Sarah pegar na sua... perereca? – Nicolas questionou.
— Eu não tenho uma perereca.
— Então, tem um pinto? Quando ia me contar?
— Não tenho um pinto! – falei alto. — Eu só não gosto dessa nomenclatura.
— Devo chamar de quê? Pequena Ema? – Nicolas questionou segurando riso.
— Não, apenas esqueça ela, certo?
— Tá, mas me diga, você viu a moça com o rabo de coelho?
— Não era um rabo de coelho.
— Ah, você viu! – Nicolas abriu um largo sorriso. — Quando foi que sua vida ficou mais animada que a minha?
— Quando Sarah apareceu. – dei passos em direção ao corredor. — Vou dar uma volta.
— Traga algo doce. Você esqueceu de trazer a minha sobremesa. – disse Nicolas.

***

Ao trafegar pelas ruas tranquilas da cidade, percebi a ausência de pedestres e o escasso movimento de carros. Optei por estacionar a viatura diante de uma familiar barraquinha de churros na praça. O Sr. Gustavo, proprietário do estabelecimento, era um conhecido de longa data. Ao descer do carro, dei alguns passos em direção à barraca.
— Boa noite, Sr. Gustavo. Gostaria de dois churros. – solicitei.
— Boa noite, Ema. – ele sorriu, era um homem gentil de cinquenta e poucos anos, cujos olhos azuis acinzentados se escondiam atrás de lentes de óculos redondos e um bigode grisalho. — Faz alguns dias que não te vejo. Estava doente?
— Não, estava em casa cuidando de assuntos pessoais. – respondi, mantendo a discrição.
— E seu namorado, como está?
— Namorado? Que namorado? – arqueei as sobrancelhas.
— O rapaz que anda com você.
— Ah, o Nick. Não somos namorados, achei que todos já soubessem disso. – expliquei.
— Vocês vivem juntos.
— Somos apenas amigos.
— Eu tenho um sobrinho de 27 anos, ele trabalha na construção civil. Está solteiro.
— Senhor, eu gosto de mulheres. – esclareci, olhando para o vendedor.
— Ah... Desculpe. – ele pegou um guardanapo, retirou um churro do expositor e continuou. — Os boatos sobre você namorar aquela garota... Laís, esse era o nome dela? Eram verdadeiros?
— Layla. – corrigi. – Caprichou no leite condensado? O Nick é praticamente uma formiga. – estendi a mão para pegar o churro.
— Claro, está bem recheado. – ele me entregou o churro. — Me diga, por onde anda a mocinha que você namorava? Não a vejo há bastante tempo.
— Não sei, senhor. – respondi, pegando o churro. — Mais um.
O som de um carro se aproximando capturou minha atenção. Olhei para a rua e testemunhei um carro lilás estacionar atrás da viatura. Respirei fundo ao identificar o veículo; Norman era a única moradora da cidade que possuía um esportivo lilás. Com um sorriso zombeteiro, ela saiu do carro, avançando na minha direção.
— Ora, ora, a guardinha gosta de churros. – provocou ao parar ao meu lado. — Eu pago pra você. Deve ganhar um salário de merda na delegacia.
— Tem razão, ganho pouco, mas pelo menos não sou uma sanguessuga como você. – rebati.
— Uh. – Norman apoiou um dos braços sobre meus ombros. — Como está a Sarah? Ela já cansou de você? Porque ela vai cansar de você.
— Senhor, o outro churro. – pedi, ignorando a provocação de Norman.
— Toquei na ferida, não é? – Norman sorria. — Não se preocupe, quando ela voltar para mim, vou cuidar bem dela.
Empurrei Norman, afastando-a.
— Fique longe de mim, sua delinquente. Eu sei o que fez na minha casa. Não tem nada melhor para fazer além de me perseguir? – indaguei, irritada.
— Eu tenho muitas coisas para fazer... – Norman se aproximou novamente, murmurando provocativamente. — Vadia.
— Se acha dona do mundo? Seu pai é prefeito de uma droga de cidade. Você não é nada além de uma garotinha mimada. – apertei o churro, contendo minha raiva.
— Se acha a cidade tão ruim, por que não dá o fora daqui? – Norman retirou um cigarro do casaco. — Você é uma guardinha de merda, por isso não consegue emprego em outro lugar.
— Mocinhas, não briguem. – disse o vendedor.
— Fica fora disso, velhote. – disse Norman, acendendo o cigarro. — E você, fica longe da Sarah. Ela me pertence. – baforou fumaça no meu rosto.
— Ah, vai se ferrar. Não vou perder tempo com uma garotinha que mal saiu das fraldas. – olhei para ela com desdém.
— Ema, seu churro. – disse o vendedor, me oferecendo o segundo churro.
— Está comprando isso para quem? Para Sarah? Acha mesmo que pode comprar o amor dela com a droga de um churro? – Norman estalou a língua. — É tudo o que pode dar para ela?
— Como você é insuportável. – respirei fundo.
— Responda! – Norman ordenou.
— Volte para debaixo da asa do seu pai. – estendi a mão para pegar o outro churro, mas antes que eu pudesse pegá-lo, Norman o derrubou na bancada.
— Por que não me encara sem sua arma? Hm? Um mano a mano. Eu acabo com você em segundos. – provocou. A fulminei com o olhar.
— Com quem acha que está falando? – indaguei, séria.
— Eu deveria ficar com medo de você? – Norman jogou o cigarro no chão e pisou sobre ele, com um sorriso debochado.
— Deveria. – avancei na direção dela, encarando-a com os olhos semicerrados.
— Encosta em mim. Vai. Me dá a porra de um soco, guardinha de merda. Vai, me soca! – gritou com a testa colada à minha.
— Sabe onde eu estava há vinte minutos atrás? Na casa da Sarah. – falei baixo, olhando dentro dos olhos de Norman. — Não é você que ela quer.
— Sua vagabunda. – Norman me empurrou. Agarrei seu punho direito e puxei-o, virando Norman de costas para mim. Peguei minha algema e prendi o pulso dela.
— O que pensa que está fazendo? – ela relutou, tentando se soltar. Peguei o outro pulso dela e prendi-o.
— Está presa. – puxei-a pela algema na direção da viatura.
— Sua vaca! – Norman disse alto. Empurrei-a para dentro da viatura, fazendo-a cair deitada no banco detrás.
— Vai esfriar a cabeça na cadeia. – fechei a porta e retornei para perto da barraca. — Dois churros, por favor. – pedi. O vendedor me olhava, tenso.
— Leve, é por minha conta. – ele pegou dois churros com o mesmo guardanapo e me ofereceu.
— Obrigada, senhor. – sorri ao recebê-los.

DOMINADORA POR ACASO (Sáfico)Where stories live. Discover now