Capítulo XCVIII

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Minha mãe ouvia atentamente minhas palavras, enquanto saboreava seu chá verde em pequenos goles. De tempos em tempos, ela respirava profundamente, contendo-se para não me lançar um sermão. Nicolas permanecia em silêncio, percebendo que aquele não era o momento para brincadeiras.
— Foi... Foi algo natural, mãe. – expliquei, sentada ao lado de Nicolas. — Nós nos envolvemos e começamos a namorar.
Minha mãe colocou delicadamente a xícara sobre o porta-copos na mesa de centro.
— Eu nunca me intrometi na sua vida amorosa, Ema. Não começarei agora, mas peço que tenha cautela. Você está se envolvendo com uma alcateia de lobos. Eles são pessoas poderosas que fazem o que querem sem sofrer punições. Você sabe disso, não é?
Assenti com a cabeça.
— Eu sei, mas a Sarah não é como o pai dela. –  respondi.
A porta da sala se abriu, e meu pai entrou carregando duas sacolas de supermercado.
— Meu Deus... Ema?! – ele deixou as sacolas escaparem de suas mãos. Ergui-me, sentindo uma mistura de alegria e vergonha me consumir.
— Oi, pai.
— Garota, eu deveria te colocar de castigo. – ele se aproximou de mim, me abraçando e acariciando meu cabelo. — Como conseguiu ficar tanto tempo longe do seu velho?
— Eu... Eu estava envergonhada, pai. – respondi, apoiando o queixo em seu ombro. — Desculpe por te decepcionar.
— Você nunca me decepcionou, filha. – seus braços se apertaram ao redor do meu corpo. — Senti saudades da minha garotinha.
— Eu também senti sua falta, pai. – murmurei, sentindo-me confortada em seus abraços.
Nicolas e eu fomos convidados para o almoço. Antes de aceitar o convite, comuniquei à Sarah que não iria comer com ela.
Durante a refeição, meu pai compartilhou histórias sobre seus alunos, o que trouxe um clima descontraído à mesa. No entanto, mesmo envolvida nas narrativas animadas, pude sentir a tensão sutil que pairava entre mim e minha mãe. Ela tinha motivos legítimos para se sentir magoada comigo, pois minha ausência por aqueles anos deixou marcas em nossa relação. No entanto, eu tinha meus próprios motivos para ter me afastado, os quais pesavam em meu coração. As circunstâncias que me levaram a essa decisão foram complexas e dolorosas, e carregá-las por tanto tempo deixou uma marca profunda em mim. A vergonha que me consumira durante tanto tempo tornava difícil enfrentar meus pais, especialmente minha mãe, com quem a conexão emocional sempre fora intensa.
Dei poucas garfadas na comida, consciente da mágoa refletida no olhar de minha mãe. No entanto, mesmo diante desse clima delicado, ela gentilmente me serviu minha sobremesa favorita da infância: sorvete de creme com geleia de morango. Aceitei o gesto de bom grado e saboreei cada colherada. Após a sobremesa, meu pai sugeriu uma partida de dominó para Nicolas e eu. Nos instalamos em uma mesa nos fundos da casa, acomodando-nos em bancos de madeira, enquanto jogávamos algumas partidas. Nicolas se enturmou facilmente, e logo ele e meu pai estavam conversando como velhos amigos.
— Poxa, Sr. Reginaldo, deixa a gente ganhar pelo menos uma partida. – disse Nicolas, com um sorriso nos lábios.
— Nada disso, rapaz. E pode me chamar apenas de Reginaldo. – respondeu meu pai.
— Então, Reginaldo, qual é o segredo para vencer todas as partidas de dominó?
— Não tem segredo, só preciso ficar atento às jogadas dos adversários.
— Interessante. – Nicolas levou a mão ao queixo, examinando as peças sobre a mesa.
Senti meu celular vibrar no bolso da calça.
— Só um momento. – levantei-me, tirando o celular do bolso. Verifiquei o visor, havia uma notificação de Sarah. Abri a mensagem e li.
“Amor, é cedo demais para sentir saudade? Já quero suas mãos em mim novamente.”
Senti meu rosto corar ao relembrar a madrugada anterior.

— Ema, vem logo. – chamou Nicolas. — Seu pai está nos vencendo. Precisamos reagir.
— Acho que os dois cavalheiros vão ter que jogar sem mim. Vou conversar um pouco com minha mãe antes de partir. – respondi.
— Espero que não leve mais quatro anos para voltar desta vez. – brincou meu pai.
— Relaxa, papi, a Ema está quase casada. Se ela sumir da cidade, a Sarah a traz de volta, mesmo que tenha que amarra-la. Embora eu suspeite que quem gosta de ser amarrada seja a Sarah. – disse Nicolas.
— Nick! – repreendi.
— Amarrada? – meu pai me olhou.
— A namorada da Ema gosta de levar uns tapinhas.
— Sério mesmo? – meu pai franziu a testa. — No meu tempo, isso resultaria em problemas sérios.
— As coisas mudaram. – explicou Nicolas. — Agora, elas gostam de cordas e algemas.
— Acho que vou me ausentar antes que esse assunto se torne ainda mais constrangedor. – comentei.

DOMINADORA POR ACASO (Sáfico)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora