Capítulo LXXXIX

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Ema se interpôs diante da porta do carro, segurando a cesta de piquenique, quando me aproximei para ocupar o banco do motorista.
— Se uma de nós vai ser multada, será eu. – disse ela, estendendo a mão na minha direção. — A chave, por favor.
— Nenhuma de nós vai ser multada. Não estamos alcoolizadas, só um pouquinho energizadas, sabe? – sorri, tentando dissipar a preocupação de Ema.
— Eu estou menos energizada que você, então, cuidarei da tarefa de nos levar em segurança para casa.
— A vontade. – coloquei a chave na mão de Ema. — Adoro ver você dirigindo.
— Onde estão seus sapatos? – Ema olhou ao redor. — Deixou dentro do carro?
— Não, eu os larguei no caminho. – respondi.
— Entra no carro, eu vou procurar seus sapatos. – Ema destravou meu carro.
— São só sapatos, Ema. Não precisa ir procurar.
— Eu volto logo. – Ela colocou a cesta sobre o teto do carro e saiu em busca dos meus sapatos. Observei-a se afastar, ciente de que ela não se daria por satisfeita se não os achasse. Entrei no carro, ocupando o banco do passageiro. Deixei a porta aberta e me curvei para abrir o porta-luvas. Retirei a caixa vermelha onde estava o colar de Ema, abri-a e apreciei o colar, com um sorriso no rosto. Quando estava pronta para guardá-lo, ouvi passos próximos ao meu veículo. Deduzi que fosse Ema retornando, mas quando olhei pelo retrovisor externo, vi um rapaz se aproximando. Rapidamente pus a caixa no banco do motorista e saí do veículo, fechando a porta.
— Ei, quem é você? – indaguei desconfiada.
— Desculpa, pensei que fosse meu carro. – disse o rapaz, sua voz soou um pouco nervosa. Ele era mais alto que eu. Seus traços juvenis sugeriam uma idade entre 16 e 18 anos. Seus cabelos escuros caíam desalinhados sobre a testa, e ele tinha olhos inquietos, que percorriam rapidamente o ambiente em busca de uma rota de fuga. A pele levemente bronzeada indicava que passara algum tempo ao ar livre, e suas roupas simples, mas bem cuidadas, denotavam uma pessoa que se preocupava minimamente com sua aparência.
— E você pode dirigir? Mal tem pelo na cara. – comentei.
— Madame, eu quero aquilo que você estava segurando. – ele deu passos na minha direção, e eu recuei, dando passos para trás.
— O quê? Isso é um assalto? – indaguei confusa, sem saber se deveria erguer as mãos.
— Eu quero aquela coisa dourada. Eu vi reluzir. É ouro de verdade, não é? – disse ele, se aproximando da porta do banco do passageiro.
— Não. É uma bijuteria, não vale nada. – respondi nervosa, desviando o olhar para longe, observando que Ema retornava segurando os meus sapatos.
— Tá de sacanagem, madame? Melhor você e a sua amiguinha não reagirem. – disse o rapaz. Logo, abriu a porta próxima a ele e se curvou na direção do banco. Aproveitei a oportunidade para pressionar a porta contra o corpo dele, prendendo-o. — EMA! SOCORRO! – gritei. Pude ver Ema apressar os passos. O garoto relutava, tentando me fazer ceder.
— Sarah! – Ema soltou meus sapatos ao se aproximar do carro. Deu a volta e observou com incredulidade a cena. — Se afasta! Eu lido com ele. – ela se aproximou da porta, e eu dei dois passos para trás.
— Tá maluca, porra? – o rapaz empurrou a porta e se ergueu, me olhando.
— Não, ela não está maluca, mas você com certeza está maluco. – disse Ema, com um olhar que eu não reconhecia. Seu semblante estava carregado.
— Quem é você? A mulher-maravilha? – debochou o rapaz, virando-se na direção de Ema. Ela não o respondeu, apenas agarrou-o pela gola da camisa. — Continua zombando, pirralho. Eu te enfio em um centro de infratores. – disse ela sem largá-lo.
— Qual é? Foi só um mal entendido. – disse ele, com um tom diferente, parecia amedrontado.
— Sarah, liga pra polícia. – disse Ema.
— Não, eu não vou voltar pra aquele inferno. – disse o rapaz enquanto empurrava Ema, libertando-se de sua contenção. Com uma determinação frenética, ele partiu em disparada, e Ema o seguiu com uma agilidade surpreendente. Eu fiquei paralisada, observando-os, enquanto minhas mãos tremiam involuntariamente. Mesmo assim, lutei para alcançar meu celular e chamar a polícia. Finalmente, consegui efetuar a ligação e, enquanto isso, testemunhei Ema alcançar o assaltante e derrubá-lo na grama. Eles rolaram juntos em uma luta intensa e desesperada. — Meu Deus! – suspirei fundo, preocupada com Ema. No entanto, meu instante de preocupação se desfez quando vi Ema desferir um golpe no rosto do rapaz, enchendo-me de admiração. — É isso, garota! Faz esse moleque aprender uma lição. – exclamei, sentindo uma mistura de alívio e orgulho.
Quando a polícia chegou, o rapaz estava imobilizado, Ema havia usado os cadarços de seu tênis para prender as mãos e pés dele. Minha adrenalina havia baixado, e eu me juntei a Ema e aos policiais que haviam chegado.
— Ema. – chamei.
— Oi. – ela me olhou com ternura. — Lamento pelo que houve. Eu deveria ter previsto que esse lugar era um antro de viciados.
— Amor, estou bem. –  tentei amenizar a situação.
— Cadarços de sapato? Vocês são engenhosas. – comentou um dos policiais.
— Vão levá-lo? Ele tentou assaltar a minha namorada. – disse Ema. Apesar da situação tensa, ouvi-la me chamar de namorada aquecia meu coração.

***

Retornamos para casa após uma passagem inesperada pela delegacia. Durante nossa breve estadia lá, notei que um dos policiais reconheceu Ema, embora a interação entre eles tenha sido breve. Mais tarde, descobri o motivo por trás do desconforto de Ema durante o encontro na delegacia. O homem era da velha guarda, um amigo de Alfredo, o que explicava a familiaridade entre eles. Parecia que Ema estava determinada a se afastar das pessoas de seu passado, buscando uma nova vida longe de qualquer vínculo anterior.
Estávamos vestidas com nossos roupões, recém-saídas do banho, quando Ema decidiu compartilhar um pouco mais sobre sua relação com Alfredo.
— Ele era meu mentor. Pensei que ele me ajudaria a me tornar uma boa policial, mas não foi o que aconteceu. – Ema respirou fundo antes de continuar. — Quando me perguntaram, durante o jantar, se já havia matado alguém, não fui totalmente honesta. Nunca disparei um tiro que tenha sido fatal, mas testemunhei muitas mortes diante dos meus olhos.
— Amor, acredito que isso faz parte da carreira que você escolheu. – aproximei-me dela, tocando seu rosto com ternura.
— Às vezes, Sarah. Outras vezes... – Ema desviou o olhar, parecendo envergonhada. — Alguns jovens crescem imersos na criminalidade, sem enxergar outra opção além de seguir pelo caminho do crime. Eles deveriam ter pelo menos uma chance de mudar.
— Eu sei. Você acha que estou sempre defendendo o lado errado, não é? Já defendi muitas pessoas que se tornaram criminosas devido às circunstâncias da vida. Eu te entendo, amor. – acariciei seu rosto. — Não se envergonhe do seu passado, está bem? Você fez o seu melhor para ser uma boa policial. Não é sua culpa que existam pessoas ruins por aí. Elas estão em todos os lugares.
— Sarah, eu vou ficar bem. – disse Ema, selando meus lábios com os dela. Fechei os olhos por um momento, sentindo o calor do beijo. — Acho que podemos tentar algo diferente hoje. – completou ela.

DOMINADORA POR ACASO (Sáfico)Where stories live. Discover now