Capítulo V

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No vestiário, troquei de roupa e me sentei no banco de madeira entre os armários metálicos. Enquanto calçava coturnos marrons, Nicolas apareceu, visivelmente exausto, como se tivesse corrido.
— Ema, que bom que te achei. – ele disse.
Interrompi a amarração do cadarço, olhando para ele.
— O que houve?
— Acabei de ver o assessor do prefeito entrar na sala do Sr. Pedroso. Acha que isso é por causa do que rolou no motel?
Franzi o cenho, confusa.
— Se esse for o motivo da visita do assessor do prefeito ao delegado, parece que há mesmo interferência no caso do motel.
— É melhor você não cruzar com ele no corredor. Espere ele ir embora e saia depois.
— Sem o apoio do delegado, não posso investigar o caso. Parece que estou de mãos atadas. – comentei frustrada.
Nicolas respirou fundo.
— Bem, pelo menos ninguém saiu ferido. Mas parece que a garota que você trouxe para cá não está preocupada com a própria segurança. Você acha que ela é sádica?
— Está mais para masoquista, mas isso não é da nossa conta. Já me dei mal por me envolver nesse maldito caso. Vou esquecer esse assunto. – disse, levantando-me do banco. — Nos vemos daqui três dias.
— O que vai fazer durante esse tempo? – Nicolas também se levantou.
— Comer batata chips e assistir TV. E talvez trabalhar na boate à noite. – respondi.
— Deveria ir para lá se divertir. Já faz um bom tempo que está solteira. Vamos lá, Ema. Eu te pego em casa às 8 horas da noite. Pode ser? Acho que sua cara metade está te esperando na pista de dança.
— Cara metade? Quem usa esse termo atualmente? – resmunguei.
— Eu vou passar na sua casa, esteja arrumada no horário marcado.
— Desde quando um cara que mal sabe se barbear me dá ordens? – zombei.

***

Eu estava afundada na poltrona vermelha da minha sala, degustando uma cerveja com um pacote de batatas chips sobre as pernas. Embora meus olhos estivessem fixos na TV, minha atenção permanecia cativa nos meus próprios pensamentos. A sensação de impotência persistia, tornando-se difícil afastar os fantasmas que habitavam minha mente.
A campainha tocou, interrompendo meus pensamentos. Coloquei a garrafa de cerveja sobre a mesa de centro e deixei o pacote de batatas no braço da poltrona ao me levantar para atender à porta. Ao abri-la, deparei-me com Nicolas, que exibia um sorriso. Ele usava uma camisa azul com as mangas cuidadosamente dobradas até o antebraço, alguns botões desabotoados abaixo da gola revelavam uma camiseta branca. Uma calça jeans e sapatos de couro preto completavam o visual.
— Você não devia estar mais arrumada? – ele perguntou, lançando um olhar julgador. Mesmo eu não estando tão bem vestida, não vi razão para um sermão, já que não havia aceitado o convite dele. Eu vestia um conjunto de moletom cinza e meias brancas. Meus cabelos estavam soltos, algo que só acontecia fora do expediente de trabalho. Durante meus turnos, adotava um coque preso com spray. Evitava parecer desleixada na delegacia, mas em casa, onde ninguém me via, podia relaxar quanto à aparência e deixar meus cabelos livres.
— Eu não disse que sairia com você.
— Ema, a mulher da sua vida pode estar te esperando na boate. Vai deixá-la sozinha? – apelou Nicolas.
— Agora é vidente? – indaguei, voltando para minha poltrona.
— Vamos, Ema. Se arrume. Temos que nos divertir. A juventude não dura para sempre. – seguiu-me Nicolas.
— Estou cansada, Nick. Vou terminar de ver o episódio dessa série e vou dormir. – a poltrona parecia muito aconchegante para trocá-la por um ambiente barulhento e impregnado com o aroma de romances passageiros.
— Você vai sair comigo.
— Para quê? Eu conheço todos os frequentadores da boate. E garanto que não me interesso por ninguém de lá. – respondi.
— Ainda é apaixonada pela sua ex-namorada? – Nicolas sentou-se no sofá ao meu lado.
— Claro que não. Eu só...
— Acho que você ainda pensa nela, por isso não quer ir à boate comigo.
— Como você é irritante. – bufei. — Eu vou para a droga da boate com você, mas não ficarei mais que uma hora.
Vesti-me rapidamente, optando por uma calça jeans, All Star vermelhos e uma blusa branca de alças finas combinada a uma jaqueta preta. Meus cabelos permaneciam soltos, os fios castanhos escuros caíam sobre meus ombros. Mastiguei uma bala de menta enquanto me dirigia ao carro de Nicolas, buscando camuflar o odor de cerveja na minha respiração.
Encaminhamo-nos para a boate e, ao adentrar o local, uma onda de arrependimento se apoderou de mim. A música pulsava ensurdecedoramente, e as pessoas dançavam de forma desordenada. Eu costumava trabalhar lá de vez em quando para cobrir folgas dos seguranças, e ocupava um lugar mais tranquilo na entrada. No entanto, naquela noite, eu era apenas uma cliente.
Segui Nicolas até o balcão do bar, onde nos sentamos em banquetas e pedimos drinks. Apesar da música alta, conseguimos trocar algumas palavras e evitamos abordar o incidente ocorrido no motel. Durante meu primeiro ano na cidade, desenvolvemos uma amizade, e como eu estava longe dos meus parentes, ele era o mais próximo que eu tinha de um irmão.
— Quando vai dançar? – ele perguntou.
— Não vou. Vá você. Encontre alguém disposta a fazer isso com você.
— Ema, você precisa ser vista pelas garotas. Deve haver outra como você neste lugar. Você pode se dar bem hoje à noite. – Nicolas levantou-se e me ofereceu a mão direita. — Venha. Use seu faro de policial para encontrar a sua cara metade.
— Você ainda está insistindo nisso? Eu só vim até aqui para te provar que não sinto mais nada pela minha ex-namorada. – respondi.
— Moça... – o barman se aproximou, e meu olhar encontrou seu rosto.
— Diga.
— Alguém pagou uma bebida para você. Aceita? – ele elevou uma taça à altura do tronco. Surpresa, abaixei meu olhar.
— Não costumo aceitar bebidas de estranhos. – respondi, voltando a olhá-lo.
— Foi uma mulher? Ou um homem? – o Nicolas indagou, curioso.
— Uma mulher. – respondeu o barman.
— Olha só, Ema. É seu dia de sorte, tem uma mulher interessada em você. – Nicolas parecia animado.
— Você poderia ao menos disfarçar essa sua obsessão por me fazer ficar com alguém aqui? – indaguei séria. Não estava no clima para flertar. — Estou indo para casa. Não precisa me seguir; vou a pé. Preciso andar um pouco para espairecer. – levantei-me da banqueta e ao me virar, deparei-me com a jovem do motel a quase dois metros de mim, observando-me enquanto segurava uma taça com um líquido semelhante ao oferecido pelo barman. Seus passos se dirigiram até mim, com calma e certa elegância. Vestia um vestido preto justo complementado por uma jaqueta marrom. A maquiagem marcava seus lábios, e seus cabelos caíam sobre os ombros com leves ondulações.

DOMINADORA POR ACASO (Sáfico)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora