Capítulo XLII

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A tarde foi marcada pelo incessante barulho dos carros de som, anunciando o pronunciamento de William. O circo estava armado para a performance do palhaço. Deitada na cama, pressionei o travesseiro contra minha cabeça, tentando abafar o som. A posição favoreceu o surgimento do sono, mas, para meu desprazer, um pesadelo com Norman me assolou. Ela apontava um revólver e disparava a queima-roupa. Despertei ofegante.
— Até nos meus sonhos, essa cretina me assombra. – sentei na cama e subi as mãos pelo meu rosto. Era hora de levantar. Fui até o banheiro, pus o cabelo para trás das orelhas e lavei o rosto. Fui para a cozinha, preparei café e comi com torradas, desfrutando da quietude do cômodo.
Às quatro da tarde, me acomodei no sofá e liguei a TV, mas minha mente estava longe, sem prestar atenção no filme que passava.
 
Quatro anos antes...
 
Adentrei a viatura ao lado de Alfredo, meu parceiro. Ele tinha cabelos castanhos e barba por fazer. Com mais de duas décadas de experiência policial, ele mantinha um repertório de advertências e uma paciência limitada com criminosos. Como integrante mais recente na força policial, sentia-me honrada por contar com um parceiro tão experiente.
— Trouxe a lancheira? – brinquei ao vê-lo comer.
— Minha esposa disse que como muita porcaria na rua, então tem feito meu lanche da noite. – disse ele, segurando um sanduíche de frango.
— Ela está certa. A gente precisa se preocupar com o condicionamento físico. – olhei para fora do carro.
— Besteira, Ema. Se meus pés não conseguirem alcançar os vermes que vagueiam pela cidade, meu revólver certamente o fará.
— Você é quase um filósofo contemporâneo. – disse com ironia.
— Apenas digo o que penso. – mordeu o sanduíche.
— Parece que vai chover. – observei o céu.
— É uma boa noite para dormir junto com alguém. – Alfredo disse entre mordidas.
— É. – sorri. — Pena que estou completamente encalhada.
— Azar no amor, sorte no trabalho. Soube que o chefe da inteligência está de olho em você há algum tempo. Você vai ser promovida.
— Espero, estou cansada de dividir o carro com você. – brinquei.
Alfredo riu.
— Você vai sentir minha falta, Ema. Aqueles policiais esnobes não vão te levar para comer hambúrguer com fritas.
— Tem razão, mas vou poder prender figurões. – respondi.
— Não se diverte enquadrando drogados?
— Claro, mas quero prender traficantes.
— O crime compensa, Ema. Enquanto a gente se esforça para manter as pessoas de bem seguras, tem uns babacas que usam terno e gravata que financiam o crime. – disse Alfredo. Seu brilho no olhar havia se apagado há muito tempo, e eu me perguntava quando aquilo aconteceria comigo.
Uma voz no rádio da viatura rompeu o silêncio.
“Viatura 27, temos uma ocorrência na rua Hermes. Relato de possível invasão domiciliar. Favor responder.”
— Recebido, Central. Estamos a caminho da rua Hermes. Alguma descrição do suspeito? – Alfredo perguntou.
“Testemunhas mencionam um homem vestindo moletom azul. Possivelmente armado. Prossigam com cuidado.”
— Entendido, Central. Manteremos vocês informados. Chegaremos ao local em breve. – Alfredo embalou o resto do sanduíche e jogou sobre o painel. Voltou a atenção para a rua e deu partida na viatura, ligando o giroflex. Segurei na alça próxima à janela, atenta ao meu redor.
Chegamos ao local do possível crime em 7 minutos.
— Estamos na Rua Hermes, parece ser a casa de número 42. Vamos abordar com cautela. – disse Alfredo.
“Viatura 27. Relatos indicam que o suspeito ainda pode estar dentro da residência. Prossigam com extremo cuidado.” Disse a voz no rádio.
— Vamos cercar a área. Entrarei pela porta dos fundos. Preparada, Ema? – Alfredo indagou antes de parar a viatura.
— Sim. Vamos lá. – respondi, abrindo a porta da viatura.
— Conta 10 segundos e põe essa porta abaixo. – disse Alfredo antes de se esgueirar pela lateral da casa. Fiz a contagem mentalmente, me aproximei da porta e com a mão no coldre do revólver, chutei a porta, pondo ela abaixo. Saquei o revólver e apontei-o para o homem de moletom azul que avançava pelo corredor com pressa.
— Pare! – falei alto, indo atrás dele. A sala estava uma bagunça, e precisei desviar de um jarro quebrado no chão. O indivíduo tentou escapar pela porta dos fundos e deu de cara com Alfredo.
— Não é seu dia de sorte. – ele disse ao invasor, que virou-se na minha direção portando uma faca.
— Melhor não dar mais nenhum passo. – avisei. — Estou ansiosa para dar o primeiro tiro da noite. Deseja que seja em você? – indaguei, apontando o revólver na altura do peito dele. O invasor soltou a faca no chão e se ajoelhou, colocando mãos atrás da cabeça. Ele era jovem e parecia sob efeito de drogas.
Alfredo guardou o revólver e pegou as algemas.
— Bom trabalho, Ema. Você vai perder a diversão apodrecendo em um escritório da delegacia.
— Pelo menos vou conseguir ficar sentada por mais de 10 minutos. A noite mal começou e já estamos em ação. Isso é um mau sinal.
— Concordo plenamente. – Alfredo algemou o rapaz, fazendo-o levantar-se.
— Aaai... Isso dói. – o invasor reclamou exibindo uma expressão de dor.
— Fique quieto, seu verme. Eu devia era praticar tiro ao alvo na sua cara. – Alfredo conduzia o rapaz para fora da casa.
— Eu vou verificar se os proprietários do imóvel estão bem. — avisei, guardando minha arma.

Continua...

DOMINADORA POR ACASO (Sáfico)Where stories live. Discover now