Capítulo CLX

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Os dias passaram rápido, e em um piscar de olhos, duas semanas se esvaíram desde que comecei a ignorar as chamadas dos meus pais. Reduzi minha comunicação telefônica ao escritório, limitando-me a falar apenas com meus sócios para cuidarem dos clientes na minha ausência. Apesar da rotina ter se tornado mais tranquila, sabia que não poderia fugir da realidade para sempre. Meus problemas inevitavelmente me alcançariam, cedo ou tarde.

Certo dia, alguém bateu à porta. Ema havia ido até a padaria. Assim que ouvi as batidas, deduzi que ela havia perdido a chave. Dirigi-me à sala, ainda vestindo minha camisola. Ao abrir a porta, deparei-me com Catarina no primeiro degrau, enquanto uma SUV preta, com dois homens, presumivelmente policiais à paisana, estava parados na rua.
— Olá, Sarah. – Catarina retirou os óculos escuros. — Podemos conversar, agora? Tenho uma informação que pode te interessar.

— Pode me dizer como me achou? – indaguei.

— Está sozinha? Gostaria de falar com a Ema também. – Catarina tentou espiar dentro da casa, olhando sobre meu ombro.

— Eu fiz uma pergunta. Me responda. – insisti.

— Vocês não são nada discretas. Seu pai já sabe que está aqui. E logo virá te buscar. – disse Catarina. — Inclusive, não compreendo a sua situação conjugal. Fiquei sabendo que casou com a filha do prefeito desta cidade, mas pelo visto continua tendo um relacionamento com a Ema. A sua esposa sabe disso?

— Você é policial ou repórter de programa de fofoca? Acho que o que faço da minha vida é problema meu. – respondi áspera.

— Desculpe, Sarah. Não quis te ofender, só queria entender a situação. Mas tudo bem, não precisa me explicar. Estou aqui por outro motivo.

— Não estou interessada. – tentei fechar a porta, mas Catarina segurou-a.

— Você não compreende que estou apenas fazendo o meu trabalho? – ela me olhava.

— Faça o seu trabalho sem me envolver. – respondi, chateada.

— Ema sabe que você acobertou o seu pai?

— Quê?! – indaguei intrigada. — Eu não acobertei ninguém. E sinceramente, boa sorte, prove que eu sou cúmplice em algo. Eu vou adorar te enfrentar no tribunal.

— Minha investigação me levou até o assassino de um policial, o ex-parceiro de Ema. E pelo que descobri, você o defendeu.

— É crime defender alguém? Eu fiz o meu trabalho. Apenas isso. – respondi.

— De graça? É defensora pública? – Catarina indagou de forma pretensiosa.

— Sabe o que significa pro bono? Eu já defendi algumas pessoas gratuitamente.  – respondi.

— É no mínimo intrigante que tenha defendido gratuitamente o homem que matou o policial que deu uma surra no seu primo.

— Eu não preciso te responder.

— O não relato de um crime grave pode implicar em cumplicidade, pois você ajudou indiretamente na ocultação do crime. – disse Catarina.

— É mesmo? Fale mais sobre isso, Catarina. – cruzei os braços. — Ninguém pode ser acusado ou condenado sem provas, é um princípio fundamental do direito penal. Agora, se já terminou seu showzinho de ego inflado, suma daqui. – apontei para a rua. — Vai.

— Sarah, o que está havendo? – Ema indagou, na calçada. Ela segurava um saco com pães.

— Ema, que bom que está aqui. Precisamos ter uma conversa. – Catarina se encaminhou até Ema, e eu a segui sob o olhar dos policiais.

— Já disse pra você sair daqui. – insisti.

— Ema, eu tenho um assunto importante para tratar, será que podemos conversar em um local mais tranquilo?

— Não. – me antecipei.

— Sarah, deixa ela falar. – disse Ema.

— Ela veio até aqui pra me acusar de ser cúmplice do meu pai. Logo, eu, Ema? Eu estaria tão ferrada se fosse cúmplice? Estou mais para vítima.

— Vítima? Então, assume que seu pai fez algo contra você? – Catarina questionou.

— Não estou assumindo nada. Que inferno! – bufei.

— Amor, acalme-se. – Ema me abraçou e cochichou em meu ouvido. — Arruma nossas coisas, vamos embora. – ela me ofereceu a sacola com os pães. — Põe na mesa, já entro para tomarmos café juntas.

— Tá.  – recebi a sacola, e retornei para dentro, deixando a porta entreaberta para que eu pudesse ouvir a conversa, às escondidas.

— Ema, você é sensata? – indagou Catarina.

— Seja objetiva. Por que está aqui? – Ema questionou.

— Me diga, eu estive sondando algumas pessoas, e bem, você não está envolvida em nenhum caso relacionado ao Júlio Vélaz.  No entanto, está romanticamente envolvida com a filha do homem que deu a ordem para a execução do seu antigo parceiro, e que te afundou nessa cidadezinha. E recentemente esteve por trás do seu rapto. Eu vi como te deixaram, não te mataram por pouco. E mesmo assim, você está aqui como se estivesse em lua de mel com a filha do Júlio. Isso é intrigante, Ema. Poderia explicar?

— Primeiramente, Sarah não tem culpa pelo pai que possui. E em segundo, já que associa o Júlio a esses crimes, prove e prenda-o, do contrário, pare de perturbar a Sarah. Não tocará nela, e não irá forçá-la a depor contra o Júlio. Fui clara?

— Eu estou tentando entender qual o problema de vocês. Por que se negam a colaborar com a investigação? – Catarina indagou.

— Eu vou prestar queixa contra você se continuar nos seguindo. Está nos pressionando, e sinceramente, sabe onde está pisando? Júlio, a essa altura já sabe que está sendo investigado. Na melhor das hipóteses, ele te rebaixa, na pior, ele acaba com sua vida. – disse Ema.

— Não tenho teto de vidro, Ema. Tenho aval para investigar Júlio e todos os envolvidos nos esquemas dele. – disse Catarina.

— Ok.

— Você é policial, Ema. Haja como tal. Honre o seu distintivo. – Catarina soou incisiva.

— É o seguinte, homens como o Júlio não vão para a cadeia. Eu sei disso, e você também sabe. Eu sou um pedregulho no sapato dele, incomodo, mas não tenho força para feri-lo. Eu já fui otimista como você, mas já perdi a esperança. Eu te ajudaria se tivéssemos uma chance de vencer pelos meios legais, mas não temos. Lamento, por parecer covarde, mas nesse momento só quero manter a Sarah e os meus pais seguros.

— Posso proteger vocês.

— Não prometa algo que não pode fazer. Júlio é influente, tem muitos aliados. – disse Ema.

— Eu vou embora, mas espero que pense melhor e me ligue. – Não pude ver, mas imaginei que Catarina deu um cartão para Ema.

— Boa sorte, Catarina. – disse Ema.

***

Quando Ema entrou, eu já havia trocado de roupa e estava ocupada arrumando a mochila com nossas roupas. O semblante dela era carregado, como se estivesse afogada em pensamentos angustiantes.

— Parece que Júlio está escapando de novo. – murmurou Ema, afundando no sofá. — Sinto um peso por não poder ajudar a Catarina agora, mas não posso arriscar a vida dos meus pais. Júlio seria capaz de matá-los.

Caminhei até ela e, com gentileza, toquei suas costas ao me sentar no braço do sofá.

— Ema, vai ficar tudo bem. – comecei, buscando confortá-la. — Sabe o que eu fazia quando me sentia angustiada?

— Terapia? – Ema interrompeu.

— Não, mas poderia. – respondi com um sorriso tranquilo. — Eu costumava ir ao clube quando me sentia estressada. Lá, conseguia descartar toda a tensão. O estresse se dissipava e eu saía revigorada.

— Esta se referindo ao clube de sadomasoquismo? – Ema perguntou, demonstrando um lampejo de interesse.

— Sim. – confirmei. — Acho que seria bom para você retomar sua altivez, talvez se sinta mais segura e forte. Se quiser, podemos ir juntas.

Ema pareceu hesitante.

— Não vou te machucar. – disse ela.
— Não vai. – assegurei, subindo minha mão para acariciar sua nuca. — Adorei passar esses dias com você aqui, mas é hora de voltarmos para a nossa realidade.

CONTINUA...

Olá pessoal!

Hoje estou de bom humor e decidi dar a vocês o controle sobre a decisão da Ema. Comentem abaixo se acham que a Ema deveria ir ao clube ou não. Aguardo os seus comentários!

DOMINADORA POR ACASO (Sáfico)Where stories live. Discover now